Ainda Estou Aqui - é sobre Eunice e sua família, mas é muito sobre o Brasil.
- Janaina Pereira
- 6 de dez. de 2024
- 3 min de leitura

Todo mundo em todo lugar, e quase ao mesmo tempo está falando sobre o novo filme do Walter Salles, Ainda Estou Aqui, que é o nosso representante para o Oscar 2025, tem a Fernanda Torres interpretando Eunice Paiva de forma estupenda, Selton Mello como Rubens Paiva fabuloso, e esse filme é baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho deste casal que teve que recomeçar após Rubens ser levado para depor em janeiro de 71 e nunca mais voltar.

A trama é essa, todos sabem o desfecho, por isso talvez essa seja a resenha mais diferente que vi, quero compartilhar as sensações que vivi no cinema, e que ainda pulsa dentro de mim agora que escrevo, e que com toda certeza ficará aqui comigo. Walter fez um filme sensível, respeitoso, num ritmo mais cadenciado, intimista, discreto, e isso na minha opinião é Eunice Paiva, essa mulher que ao receber a certidão de óbito do marido depois de 25 anos, sorri. Eunice é a mulher que ofereceu comida aos militares que ficaram na sua casa depois que Rubens foi levado, é a mulher que diz que não tem tempo porque são 5 filhos para criar e isso agora é sua prioridade, foi estudar Direito, formou-se aos 47 anos e tornou-se especialista em causas indígenas no Brasil, e obteve reconhecimento internacional, é a mulher que guarda suas memórias mais preciosas consigo, em pastas, caixas, filmes antigos, que revê com um olhar feliz, revivendo quando os Paiva eram 7. Fernanda Torres brilha na simplicidade, tudo está no olhar, medo, preocupação, desespero, confiança, força, sua voz é, em quase todo tempo no mesmo tom, seu andar é confiante, ela toma as rédeas da sua história mesmo com o coração dilacerado, e sempre mantém a cabeça erguida, o sorriso de quem vai lutar.

Selton Mello é apaixonante no primeiro minuto em cena, o jeito carinhoso, amoroso, que ele mantém com os filhos, esposa, amigos, o semblante disponível para qualquer coisa, e é tudo mesmo, desde jogar totó de madrugada com Marcelo, a se arriscar recebendo cartas de quem já estava fora do Brasil por medo. Tudo nele é bonito, mas aquele sorriso de aconchego é devastador, ele sorri ao dançar com Eunice, na praia com amigos, ao receber o dente recém caído da filha, ao trocar de roupa quando sua casa foi invadida por militares, tranquiliza uma de suas filhas dizendo que só está se arrumando para ir ali ajudar, e o último sorriso a Eunice ao entrar em seu carro.
Eu li o livro antes, sei dos detalhes que Marcelo nos conta muito bem, e fiquei emocionada como o filme é respeitoso com os Paiva, eles sentiram tudo aquilo, desde as meninas mais velhas que já entendiam tudo aquilo, até o desconhecimento do pavor que os mais novos tinham, Marcelo é um deles, ele só tinha 10 anos quando seu pai foi levado, e mesmo assim ao escrever Ainda Estou Aqui ele compartilha de forma minuciosa todo aquele período escabroso do Brasil e devastador para sua família. E por todo o sofrimento desta família Walter optou por menos, são cenas intimistas, até quando Eunice é presa junto com sua filha de apenas 15 anos, não há cenas grandiosas, tudo é menor, e isso vai te angustiando, você sofre a cada olhar de Eunice ao fichário com fotos, ao ser acordada de forma abrupta dizendo: Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva.

A ditadura foi um período nefasto, cruel, e que devastou muitas famílias, essa parte escabrosa do nosso país precisa ser lembrada, e mais agora, para que possamos estar atentos e fortes meus amigos, numa ditadura tudo se perde, não há o que se discutir, temos que berrar se for preciso ditadura nunca mais. Fernanda Montenegro, a nossa dama maior, de fato está em cenas por minutos, e entra na sua alma com o olhar, é isso. Eu chorei do início ao fim do filme, fiquei angustiada, preocupada, revoltada, fortalecida, são muitos sentimentos sentada naquela sala escura.
Assistam e leiam Ainda Estou Aqui, é sobre o nosso país, são os Paiva e tantos outros, é nossa história, e levando ou não o Oscar essa obra é um orgulho nacional, feito pelos nossos, para nós.
Nota: Impecável, histórico, acessa lugares na sua alma.
Onde Assistir: Nos Cinemas






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